domingo, 19 de julho de 2015

Anjos e pôquer

Quando Sarah era muito pequetita, devia ter dois meses ou por ai, algumas vezes ela não queria dormir cedo. Então comecei a fazer algumas brincadeiras com o sono dela.

Eu virava para ela e dizia bem séria:

“Sarah, sabe o que acontece quando um bebê demora a dormir? Você está vendo que já são 23h, não é? Sabe o que acontece as 23:30h? O último trem sai em direção a terra dos anjinhos. Sabe como vem esse último trem? LO-TA-DO! Todos os anjinhos operários saem da fábrica as 23:20h e pegam o trem das 23:30h. Agora imagina só, vamos montar a cena aqui para você entender a gravidade da situação:

- Você -> bonitinha, fofinha, cheirosinha, mega nenenzinha.

- Anjinhos operários -> enormes, extremamente suado, sujos de graxa, com a asa com o desodorante vencido batendo na sua cara.

Não me parece pareceu legal, né.

Então, para não ter problemas com asas suadas no seu rosto, eu sugiro que você durma agora, neste momento. Assim você chega à terra dos sonhos sã e salva.

Ok?

Tá bem?

Nana neném.”

Ela só me encarava. Só piscava os olhos e continuava a me encarar seriamente. Provavelmente pensando que a mãe dela é doida.

Sinto muito Flor, mas mãe não se escolhe, se aceita.

Aí, depois de um tempo contando essas coisas loucas de anjos e asas suadas ela dormia.

Algumas vezes ela conseguia pegar o trem vazio e dormia na santa paz.

Maaaaaaas, algumas vezes ela não dava essa sorte e pegava o trem cheio.

Aí que danou-se tudo. Ela acordava chorando.

Eu já sabendo que ela tinha levado uma surra dos anjinhos operários, ia pegá-la no berço dizendo:

“Oh Sarah! Dá dando mole para esses anjinhos é? Bate neles também. Não deixa nenhuma asa suada te jogar no fundo do vagão não, hein. Aprende a se defender desde agora! Volta lá e luta pelo seu espaço.”

Aí ela ficava fungando, fungando, ia se aninhando no meu colo e dormia de novo.

Ia para o berço. Ok. Ok.

Daqui a pouco acorda de novo.

Aí eu me lembrava de outro problema. Eu tinha aprendido a jogar pôquer pouco antes do nascimento dela, então ela nasceu já sabendo jogar.

Nos primeiros dias de vida ela e os anjinhos tinham um relacionamento muito bom e jogavam pôquer juntos.

Mas a vitória subiu a cabeça e Flor resolveu colocar dinheiro no meio.

Ganha um dia, perde dois, ganha mais dois dias, perde uma semana. Assim criou-se uma grande dívida com os anjinhos.

O que aconteceu no trem? Ela foi cobrada. Tinha que pagar pelos jogos perdidos. Por isso ela acordava desesperada, porque não sabia como sair daquela pindaíba (nem minha mãe diz mais isso hehe).

Então, ela acordou mais uma vez, eu a peguei e disse pela última vez:

“Escuta aqui mocinha: ESSA É A ÚLTIMA VEZ QUE A SENHORITA MISTURA ANJOS E PÔQUER. ENTENDIDO?”

Paguei a dívida dela.

Ela começou a pegar o trem as 21:30h para não correr risco de encontrar com NENHUM anjo operário.

E o pôquer foi proibido até segunda ordem.

Ok?

Ok.




 Naila Agostinho

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