Quando Sarah
era muito pequetita, devia ter dois meses ou por ai, algumas vezes ela não queria
dormir cedo. Então comecei a fazer algumas brincadeiras com o sono dela.
Eu virava
para ela e dizia bem séria:
“Sarah, sabe
o que acontece quando um bebê demora a dormir? Você está vendo que já são 23h,
não é? Sabe o que acontece as 23:30h? O último trem sai em direção a terra dos
anjinhos. Sabe como vem esse último trem? LO-TA-DO! Todos os anjinhos operários
saem da fábrica as 23:20h e pegam o trem das 23:30h. Agora imagina só, vamos
montar a cena aqui para você entender a gravidade da situação:
- Você ->
bonitinha, fofinha, cheirosinha, mega nenenzinha.
- Anjinhos operários
-> enormes, extremamente suado, sujos de graxa, com a asa com o desodorante
vencido batendo na sua cara.
Não me
parece pareceu legal, né.
Então, para
não ter problemas com asas suadas no seu rosto, eu sugiro que você durma agora,
neste momento. Assim você chega à terra dos sonhos sã e salva.
Ok?
Tá bem?
Nana neném.”
Ela só me
encarava. Só piscava os olhos e continuava a me encarar seriamente. Provavelmente
pensando que a mãe dela é doida.
Sinto muito
Flor, mas mãe não se escolhe, se aceita.
Aí, depois
de um tempo contando essas coisas loucas de anjos e asas suadas ela dormia.
Algumas
vezes ela conseguia pegar o trem vazio e dormia na santa paz.
Maaaaaaas,
algumas vezes ela não dava essa sorte e pegava o trem cheio.
Aí que
danou-se tudo. Ela acordava chorando.
Eu já
sabendo que ela tinha levado uma surra dos anjinhos operários, ia pegá-la no
berço dizendo:
“Oh Sarah!
Dá dando mole para esses anjinhos é? Bate neles também. Não deixa nenhuma asa
suada te jogar no fundo do vagão não, hein. Aprende a se defender desde agora!
Volta lá e luta pelo seu espaço.”
Aí ela
ficava fungando, fungando, ia se aninhando no meu colo e dormia de novo.
Ia para o
berço. Ok. Ok.
Daqui a
pouco acorda de novo.
Aí eu me
lembrava de outro problema. Eu tinha aprendido a jogar pôquer pouco antes do
nascimento dela, então ela nasceu já sabendo jogar.
Nos
primeiros dias de vida ela e os anjinhos tinham um relacionamento muito bom e
jogavam pôquer juntos.
Mas a
vitória subiu a cabeça e Flor resolveu colocar dinheiro no meio.
Ganha um
dia, perde dois, ganha mais dois dias, perde uma semana. Assim criou-se uma
grande dívida com os anjinhos.
O que
aconteceu no trem? Ela foi cobrada. Tinha que pagar pelos jogos perdidos. Por
isso ela acordava desesperada, porque não sabia como sair daquela pindaíba (nem
minha mãe diz mais isso hehe).
Então, ela
acordou mais uma vez, eu a peguei e disse pela última vez:
“Escuta aqui
mocinha: ESSA É A ÚLTIMA VEZ QUE A SENHORITA MISTURA ANJOS E PÔQUER. ENTENDIDO?”
Paguei a
dívida dela.
Ela começou
a pegar o trem as 21:30h para não correr risco de encontrar com NENHUM anjo operário.
E o pôquer
foi proibido até segunda ordem.
Ok?
Ok.
Naila Agostinho